Prof. Assistente MILTON PAIVA
Teste escrito de Avaliação Contínua
Duração: 2 horas
Turmas P1 e P2
DISCUTA AS SEGUINTES QUESTÕES
(5 valores cada uma)
I-A Magna Carta de 1215 é um texto fundamental na historia constitucional.
Tomar posição relativamente à afirmação: concordo
Razões: texto precurssor da história constitucional moderna em dois aspectos basilares daquilo que viria a ser o constitucionalismo moderno a partir de finais do sec. XVIII:
1. Primeiro grande documento constitucional a limitar de forma muito clara o poder real, à época absoluto, ilimitado e concentrado num só indivíduo(no Monarca).
2. Primeira grande formulação de direitos, liberdades e garantias individuais, embora à época ainda fossem destinadas apenas a proteger barões e homens livres do Reino (direitos estamentais, de classe)
3. Por ser a experência inglêsa uma das três fundadoras do constitucionalimo moderno, a Magna Carta acaba por ser um texto fundamental não só para o Reino Unido mas para todo o constitucionalismo moderno universal, de matriz ocidental, o qual se caracteriza essencialmente pela: separação de poderes como técnica de limitação do poder político, consagração de um sistema de direitos fundamentais dos indivíduos, forma escrita de consticuição e soberania popular (quatro postulados). A partir da MC o absolutismo monárquico sofre um golpe definitivo, perdendo poderes passo a passo, até ao desaparecimento da monarquia, nalguns casos, e noutros, à sua redução a poderes meramente formais.
4. Exemplos: a cláusula de segurança (art. 60º MC) bem como a proibição do monarca lançar taxas ou tributos sem consentimento do conselho geral do reino (art. 12º MC) são dois exemplos emblemáticos de restrição do poder real. Por outro lado, a proibição de detenção, prisão, privação de bens, exílio sem que haja julgamento regular pelos seus pares (art. 39º MC) é outro exemplo claro de formulação de direitos, liberdades e garantias de individuos perante o poder político.
II-O direito constitucional moderno é muito mais um direito do Estado do que dos indivíduos. Verdadeiro ou falso?
Tomar posição: afirmação falsa quando analisada à luz do constitucionalismo moderno. Antigamente era verdade mas hoje não. O constitucionalimo moderno é precisamente a colocação do indivíduo no centro do direito constitucional (DC), pondo o Estado ao seu serviço e limites claros à actuação deste. Embora o Estado continue a ser objecto destacado das constituiçõs modernas (sua organização, estrutura, poderes, órgãos, etc) não é menos verdade que o indivíduo ocupa o centro das preocupações. A separação de poderes, a fiscalização da constitucinalidade de leis, o catálogo de direitos liberdades e garantias, a soberania popular, a limitação de mandatos, o sufrágio, são seguramente ferramentas protectoras do indivíduo em face do poder político. O DC evoluiu claramente da perspectiva estadualista para outra mais garantística (de indivíduos).
III-No sistema constitucional inglês, até à reforma constitucional de 2005, o Lord Chaceller ocupava simultaneamente as funções de ministro da justiça e de juiz presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Analise criticamente as soluções anterior e posterior à reforma.
Apesar do sistema judiciário inglês ser considerado um dos mais estáveis e seguros do mundo, com tradições milenares, a sua organização judiciária tinha particularidades que chocavam com a pureza da teoria da separação de poderes. O sistema de organização da justiça misturava perigosamente membros do Governo, do Parlamento e Juízes. Antes do Constitucional Reform Act de 2005 (revisão constitucional) o Lord Chanceller era simultaneamente ministro da justiça, portanto membro do governo, e juiz presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Assim, desde logo, de um ponto de vista funcional, a separação entre o executivo e o legislativo encontrava-se comprometida nesse aspecto. Por outro lado, o próprio Supremo Tribunal de Justiça era parte da Câmara dos Lordes, sendo os seus juízes (os Law Lords) simultaneamente, membros do legislativo e do judiciário. Apesar do embaraço teórico o sistema funcionava com notável maturidade graças a elevada cultura jurídica e de estabilidade institucional típica dos inglêses. Em 2005, dando seguimento a vozes que defendiam o aperfeiçoamento do sistema tendo em vista maior autonomia e reforço do poder judiciário, a reforma trouxe pelo menos três grandes alterações: 1º) o Lord Chanceller é reduzido às funções de ministro da justiça e membro do Governo deixando portanto de acumular com as funções de juiz e presidente do STJ; 2º) o novo Presidente do STJ passa a ser o Lord Chief Justice, este apenas juiz e membro do judiciário; 3º) O STJ sai não só organicamente, como fisicamente de dentro da Câmara dos Lordes para se instalar em edifício próprio, separado. Acredita-se que, com o novo figurino, por um lado o poder judiciário ganha mais autonomia em relação ao executivo e ao legislativo e, por outro, o executivo e o legislativo, ficam livres da influência dos juízes dentro da Câmara dos Lordes, os quais, sendo anteriomente membros do legislativo e do judiciário tinham grande margem de intervenção política, participando activamente nos debates e decisões políticas, técnicas e legislativas dos Lordes.
IV-«A preponderância no Parlamento pertence hoje à Câmara dos Comuns», (Manual, Marcelo Caetano)
Tomar posição relativamente à afirmação: concordo
Razões. Essa preponderância da CC passou a verificar-se a partir do alargamento do direito do sufrágio de censitário para universal (por volta de 1832), dando ao regime um pendor democrático, e concretiza-se nos seguintes aspectos: 1º) a CC tem o direito de fazer passar as leis mesmo contra o voto dos Lordes (estes possuem veto meramente suspensivo) e na certeza de que a Corôa não negará a sanção (promulgação); 2º) só ela pode efectivar a responsabilidade política do gabinete e fazer tombar o Ministério; 3º) é no seu seio que se manifesta a força dos partidos políticos e se define a maioria donde sai o gabinete.
Praia, aos 25 de Maio de 2009
Boa sorte!
Turmas P3 e P4
DISCUTA AS SEGUINTES QUESTÕES
(5 valores cada uma)
I-O direito constitucional assume uma função muito particular dentro da ordem juridica estadual.
Tomar posição relativamente à afirmação: concordo
Funções. O direito constitucional (DC) é: 1) o vértice da pirâmide (KELSEN) que é a ordem jurídica, isto é, o seu ponto mais alto, superior e, ao mesmo tempo, o seu ponto mais resumido, mais estreito. O facto de ser o ponto superior da ordem implica que todos os outros ramos e normas estejam abaixo dele, obrigados portanto a respeitá-lo e, o facto de ser resumido, estreito, leva a que as suas normas sejam em geral de âmbito muito aberto, princípios muito gerais na tentativa de cobrir o máximo possível com o mínimo possível. Assim, ele é a síntese, o guião. 2) Numa outra comparação (Jorge Miranda, tomo I, p.14) o DC é o tronco da ordem jurídica, ou seja, a parte forte e central que segura os demais ramos da árvore que é a ordem jurídica (direito fiscal, das obrigações, penal, administrativo, comercial, etc). 3) Finalmente, DC funciona dentro da ordem jurídica como têtes de chapitre (Pellegrino Rossi) dos vários ramos de direito, isto é, aquele guião que enuncia os tópicos e princípios mais importantes dos demais ramos. Qualquer ramo começa dentro do DC para depois autonomizar-se e desenvolver-se fora dele, em normas inferiores e mais detalhadas. Ele é portanto a mãe, a fonte de tudo o resto. Assim, em conclusão, o DC acaba por ser o elemento de unidade do ordenamento jurídico, impedindo o isolamento de cada ramo, contradições insanáveis entre normas de cada ramo, de forma a que a ordem jurídica seja um todo coerente, sistémico.
II-« É que inicialmente o Rei (de Inglaterra) era o governante supremo, o detentor do poder politico, o soberano, único órgão com autoridade sobre todo o reino. Vimos como o Parlamento se foi tranformando, pouco a pouco, de conselho de convocação irregular em órgão deliberativo regular que procurava exercer a soberania juntamente com o Rei.» (Manual, Marcelo Caetano)
Tomar posição: afirmação verdadeira.
Justificação: efectivamente, até antes da Magna Carta (MC) de 1215, o Rei de Inglaterra, tal como todos os outros da época, eram absolutos, isto é, eram ao mesmo tempo juízes, legisladores e administradores do reino, sem quaisquer outras limitações que não seja a sua própria vontade. Esse período tornou-se conhecido como sendo a fase do absolutimos monárquico. A MC dá início à evolução do sistema num outro sentido, o qual tornar-se-ia fatal e irreversível até hoje para as monarquias, a tal ponto que, umas desapareceram (ex: França, Portugal) e outras ficaram reduzidas a poderes meramente formais. Como forma de evitar que, doravante, o poder político ficasse concentrado num só, fora do controlo das Leis e com consequentes riscos de arbitrariedade, os Barões primeiro, e depois o Parlamento, impuseram uma série de restrições a Rei, através de sucessivos documentos juridico-políticos, cada um mais ambicioso e mais limitador que o anterior (por ordem cronológica: Magna Carta, Petição de Direito, Lei de Habeas Corpus, Declaração de Direitos e Acto de estabelecimento). Cada um destes documentos, para além do que representam no estabelecimento, passo a passo, de direitos, liberdades e garantias individuas, registam igualmente, a redifinição do equilibrio de poderes entre três instituições políticas: O Rei, a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns , com perda de poderes do primeiro para o segundo (2ª fase), e do segundo para o terceiro (3ª fase). Progressivamente: 1º) o centro da vida política inglêsa passa do Rei para o Parlamento, isto é, pouco a pouco o sistema politico evolui do absolutismo monárquico para o parlamentarismo; 2º) a soberania passa do Rei para o Povo (através de eleições por sufrágio universal à Câmara dos Comuns); 3ª) O poder executivo passa do Rei para um Gabinete/Governo, chefiado por um Primeiro-Ministro (a nova figura central do sistema) o que vem enfraquecer ainda mais os poderes reais, sem pôr todavia em causa, a supremacia do Parlamento, na medida em que o Gabinete/Governo emana do Parlamento e responde perante ele. De entre os vários documentos históricos na base da afirmação do Parlamento no sistema inglês, destaque-se a Declaração de Direitos de 1689 (Bill of Rigths). Através dela, por um lado, o Parlamento é contundente e implacável na sua tomada de posição contra as ilegalidades do Rei e, ao mesmo tempo, reafirma para si uma série de direitos e poderes, uns antigos outros novos, como por exemplo: a proibição do Rei cobrar impostos sem consentimento do Parlamento (art. 4º, preâmbulo), o princípio da liberdade nas eleições ao Parlamento (art. 8º, preâmbulo), a liberdade da palavra nos debates e processos parlamentares (art. 9º, preambulo), a não responsabilização judicial dos parlamentares no uso da palavra nos debates (idem, art. 9º) e a obrigatoriedade de o Parlamento ser convocado com frequência (idem, art. 13º).
III-O Primeiro-Ministro é a figura preponderante do Gabinete bem como o centro da vida política inglêsa.
Tomar posição: afirmação verdadeira.
Justificação: O Primeiro-Ministro é sem dúvida a figura preponderante do Gabinete, por ser: 1º) o seu Chefe e Coordenador; 2º) quem propõe ao Rei a nomeação ou demissão dos demais membros do Gabinete; 3º) quem preside às sessões do Gabinete. Contudo a sua preponderância não é apenas interna ao Gabinete, prolongando-se igualmente para fora desse órgão, por duas ordens de razões: 1º) por um lado, conforme tem sido prática, ele é quem assume na prática os poderes do Monarca, nomeadamente, o importante poder de dissolução dos Comuns (ele é que tem a iniciativa e escolhe o timming, o monarca limita-se a promulgar). Para além desse poder, ele é determinante no exercício de outros poderes formalmente do monarca, como a nomeação de altos funcionários (juízes, forças armadas, embaixadores) e nas relações diplomáticas. 2º) por outro lado, ele não só é o Chefe do Gabinete, como também, o Chefe da maioria nos Comuns e o Chefe do partido maioritário. No fundo , formalmente ou na prática, ele exerce uma tripla chefia (gabinete, bancada maioritária nos comuns e partido vencedor das legislativas) às quais ele soma ainda poderes reais.
IV. Analise a relevância actual da Corôa no sistema político inglês.
No dizer de Jorge Miranda, a mera existência da Côroa no sistema, independentemente dos poderes que tenha de facto, constitui por si só um factor de equilíbrio e estabilidade no sistema. Sabe-se que conforme à tradição o monarca tem confiado o grosso dos seus poderes ao Primeiro-Ministro, mas do ponto de vista constitucional nada impede que, em momentos críticos, o monarca, por exemplo, recuse um pedido de dissolução dos Comuns (se o achar abusivo) ou recuse a promulgação de uma lei ou uma proposta de nomeação de um ministro. É uma espécie de guardião que está lá de vigia à espera que a sua intervenção seja necessária. Todavia, em circunstâncias normais, considera-se que os seus poderes são essencialmente formais (prerrogativas formais), limitando-se ao direito de ser informado regular e semanalmente pelo Primeiro-Ministro e de aconselhar o Gabinete nos principais assuntos da governação do Reino. A título de exemplo, estão ainda compreendidos nas suas prerrogativas: 1) o comando das Forças Armadas assim como a nomeação dos seus mais altos postos; 2) o direito d proclamar a guerra e fzer a paz; 3) a dissolução do Parlamento; 4) a rejeição e promulgação de leis; 4) o direito de concluir tratados; 5) o direito de nomear juízes e embaixadores; 6) o direito de Indulto, etc. O monarca, conforme à tradição nunca decide errado (the king can do no wrong) nem nunca decide sozinho (há sempre um ministro ou o Primeiro-Ministro a assinar com ele) pelo que é juridica e politicamente irresponsável, isto é, por um lado os seus actos não são susceptíveis de apreciação jurídica pelos tribunais e, por outro, ele nunca responde pelos seus actos (normativos ou outros) perante qualquer outro órgão político. Quem responde por ele é o Governo perante o Parlamento, a sua política é a do Governo, até os seus dicursos políticos estão sujeitos à aprovação do Primeiro-Ministro.
Praia, aos 25 de Maio de 2009
Boa sorte!